Ironia

Ela é facilmente confundida com brincadeiras sem importância; ela costuma deixar as pessoas sem graça, com seu ar de superioridade. Mas a verdade é que por falta de sentir e medo de amar, é exatamente o tipo de companhia que a solidão adota; para não correr algum risco novamente. Mas será que ela se esqueceu, que na vida o que mais fazemos é correr riscos?
Depois daquela tentativa frustrada, de passear pela cidade levando como companhia sua alma cheia de desilusões, desistiu de se encontrar com qualquer rastro do amor que perdeu no meio do caminho, e desde então o escuro não lhe permite enxergar a felicidade. Porque deveria ser fácil para aquele casal no metrô, encontrar-se numa noite de sábado, e assistir um filme de romance para não perder o costume. Deveria ser inevitável para aquele senhor de meia-idade, encontrar suas filhas saindo em pleno final de semana, ao invés de permanecerem em casa brincando de boneca, como faziam antigamente! E para ela? Ah, seria muito menos cansativo sentar-se no sofá com um pote de sorvete, e chorar o resto da noite por um amor perdido.
Mas já perdeu a graça, fazer pose em frente ao espelho fingindo que tudo está bem, enquanto lá fora o mundo brinca com os sentimentos de indivíduos insignificantes; foi esse o critério que adotou, e com essa série de novos princípios, afastou toda e qualquer possibilidade de voltar a viver de olhos abertos. Passar despercebida em meio à multidão nunca foi tão simples, e brincar com a preocupação das pessoas nunca foi tão divertido, é esse o tipo de sentimento que nutrimos, quando não há importância na delicadeza, é essa a característica mais abominante que existe, quando se decide ignorar o que um dia nos fez sorrir.
Você pode enxergar ao seu lado, a pessoa mais brilhante que já conheceu, a pessoa que admira e pretende nunca abandonar; sem saber que essa é a visão mais escura e embaçada que se pode ter. Sem entender que no final das contas, toda essa brincadeira pode levar para longe, o que de mais bonito um coração carrega: amor. A ironia de um sorriso que tira do seu estômago, aquele ninho de borboletas coloridas, que ali habitavam; a mentira que misturada com ignorância, pode te cegar diante da beleza irradiante de uma verdade bem contada. A imagem perfeita que você implorou ao espelho, hoje te engana cruelmente, enquanto você acredita ter encontrado o nível mais alto de satisfação; você foi enganada, de novo e de novo!
E ela não sabe que foi o verdadeiro motivo, pelo qual ele partiu; ela ainda não percebeu que ser superior, não é interessante para quem enxerga a realidade. Ela veste peças claras, aplica maquiagem fraca, pisa sobre saltos discretos, e não faz ruídos ao se aproximar de quem quer que seja. Mas é traiçoeira, enquanto enxergamos tudo de mais bonito que alguém pode ter, ela esconde olhos marcantes, lábios mentirosos, e tudo ao seu redor é ameaçador. Ela espera tirar sua atenção dos defeitos, espera que sua inocência seja maior que a desconfiança; ela te mostra um atalho em meio à noite vazia, mas no final daquela rua estreita, você encontra apenas o veneno que tirou dela o prazer de amar.
Mas ela ainda não percebeu que com toda essa mudança, foi a ironia que tirou de suas mãos, o que de mais valioso possuía; como quem rouba de um adolescente a vontade de viver, substituindo-a por uma miserável sede de maldade. Foi a ironia que a cegou diante da felicidade!